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Pensão Lisbonense

Águas correntes, quentes e frias.

Pensão Lisbonense

Águas correntes, quentes e frias.

Liberdade

" Chamo liberdade á minha ignorância do destino e destino ao meu ignorar da liberdade."
" A liberdade só existe quando todos os nossos actos concordam com todo o nosso pensamento."
" Liberdade só se pode perder por um acto supremo de liberdade : o da renúncia."
Agostinho da Silva - como o admiro.  

Perdidos no escuro

Há dias cinzentos,chuvosos,sombrios,esconsos,que nos limitam alcançar o tecto do mundo...

Há dias estranhos,desconhecidos,ilegíveis,em que a fronteira entre o real e ilusório,ronda o perímetro do mais puro devaneio.

Há dias em que os gritos são surdos e as palavras são ocas,os gestos são metáforas ridiculas e as atitudes mais nobres caem em perfeito desuso...

Por vezes,é inevitável dar por mim,irreconhecível a mim mesma; palavras que exteriorizo,estranhas na minha boca.

O ritmo do quotidiano e as normas da sociedade guiam-nos em atalho curto,ao limiar da loucura.

A interpretação depende de cada um e after all,tomorrow it's another day.

de baterias carregadas

Desculpem a minha ausência, mas tive que ir ali roubar uns bens, para doar ao estado, que nos rouba de um modo educado...

Ainda telefonei, a uma grande instituição governamental, a solicitar uns pagamentos, ao que cordialmente me responderam "nós queremos pagar, não duvide, mas acontece que estamos sem dinheiro para o fazer".

Ó meus amores, se existe algo que o estado não pode deixar faltar é crianças nas igrejas e dinheiro aos militares, pois se estes meninos se apanham sem dinheiro para andarem a brincar ao risco, ficam sem nada para fazer, e de repente toma lá um golpe de estado.

Ó Socrates!!!!!! Nem o matam, não podem, não temos dinheiro para as balas, mas podemos sempre atar uma guita na ponta da bala, disparamos e depois vamos lá buscar, e ainda fazemos como os chineses, enviamos a conta do fuzilamento para casa para a familia pagar as balas usadas.

É assim em tempos de crise, lombo de bota e atacador à bolonhesa acompanhado de uma bela reserva de agua canalizada.

 

 

vendi hoje uma casa...

... e depois tirei a tarde para descer ao rio.

A descer a avenida - já encharcado - tive de entrar à socapa num dos prédios para poder fumar um cigarro abrigado.

 

Fumar dentro de, portanto.

 

Eu conhecia os quatro cantos ao prédio que é um velho amigo.

Foi lá o meu primeiro estúdio.

 

Isto hoje é rídiculo, o fumar dentro de.

Até para mim passou a ser.

 

Sentei-me automaticamente no segundo de três degraus e de costas para o lance ascendente das escadas e para o elevador, que era aliás a posição comum de espera quando, há 16 anos, tentava arranjar coragem para galgar os sete pisos de uma assentada.

Nos dois anos que lá estive vi o elevador funcionar oito vezes.

 

Ali no átrio senti o vazio de quem se despede de uma casa.

A fumar dentro de.

Numa cortina de fumo e dentro de.

 

Venho do tempo onde nas prateleiras dos quiosques se alinhavam os provisórios com os definitivos.

 

Na altura era comum viver em ambientes dos quais a nicotina e o alcatrão eram parte integrante...

 

... os animais entravam com os donos nas lojas e julgo que o poeta da revolução ainda não desempenhava as funções de coordenação de programas de texto na RDP (*) e o cartão de crédito ainda não tinha sido inventado.

 

(*) Nota: Num país tão ingrato e desconfiado, sería o cúmulo descobrirem não ser da autoría do poeta da revolução a sua poesia.

 

Lembro-me de aos cinco anos me sentar ao colo - ou ao lado, por ter sempre querido passar por adulto - do meu pai que me ensinava então os rudimentos da paciência, da ordem e do detalhe.

 

Começavamos sempre pela bancada e pela implantação de um tapete escalado de borracha formato A1 sobre e ao lado do qual se dispunham organizadamente os instrumentos, os líquidos e as partes plásticas:

 

líquidos à esquerda, para o fumador destro não lhes dirigir por reflexo a mão do cigarro e assim poder desencadear uma desgraça familiar;

instrumentos de corte á direita, com um cinzeiro ao lado e, por conseguinte, à minha frente;

plásticos acima do tapete, alinhados ao centro e à distância de um braço adulto.

 

Também havia fio metálico, palitos e até cheguei a ver um corta-unhas.

 

E eu estava ali sentado, agarrado à caixa e ainda me competia a função de porta-cigarros.

Para além da caixa nada se via, estando a altura dos meus olhos alinhada com o plano de trabalho.

 

Por esta altura, poderão pensar estar a divagar sobre o envolvimento infantil na produção de explosivos artesanais, mas não...

 

Saíam de uma cortina de fumo - e sobre a caixa - blindados, mono, bi e triplanos e, no natal ou na páscoa, um Tirpitz, um Ark Royal ou mesmo a Memphis Belle...

Olhava para eles e para a caixa, alternadamente, como se precisasse de confirmar a autenticidade do acto e da relação entre forma e figura.

Mas o número sempre correu bem, finalizando-se sempre o acto com um: "e agora limpas a mesa..."

 

Eu despejava o cinzeiro e depois arrumava os inflamáveis - nos quais não se incluíam tintas pois toda e qualquer aptidão é  exclusivamente devida a genética materna - ferramentas e pequenos detritos, agarrando por fim a parte que sempre mais me intrigou:

 

a pequena - ou grande - estrutura plástica de injecção, ou "os arames" na gíria infantil, que também significam lixo na gíria adulta.

 

O arame respondia a uma estranha lógica tubular feita de ligações, de separações e de derivações separados por partes rectangulares achatadas com siglas que, em conjunto, se prendiam a vazios que sugeriam a forma da peça que lá faltava.

Eu guardava-as pois o meu gozo eram essas peças e não o Tirpitz, o Ark Royal ou a Memphis Belle... eram mesmo "os arames".

Como parte sobrante, eram para mim a matriz arqueológica de um sistema intrigante de vazios a partir dos quais imaginava outros Tirpitz, outros Ark Royal, outras Memphis Belle...

 

Já o contrário não era possível, imaginar "os arames" a partir do Tirpitz, ou do Ark Royal, ou da Memphis Belle.

Por outras palavras, via-me empurrado para a primeira das reflexões filosóficas antes de saber ler ou escrever:

 

a parte, o todo, a relação da parte com o todo e vice-versa, a completude e o esvaziamento e toda a série de pensamentos que se nos assomam em climas chuvosos.

 

Para mim, sentado no meio da cortina de fumo, lembrei-me dos arames e de como se assemelham à nossa própria estrutura da vida,  aos seus preenchimentos e aos seus esvaziamentos.

 

Hoje vendi uma casa e por isso vendi parte dos meus arames, pensei.

 

Depois fui até ao cais das colunas apanhar chuva.

 

 

...

 

A revolução é o corolário de uma mudança de paradigma,

A revolução é um golpe misericordioso dado a um paciente terminal,

A revolução é uma conquista civilizacional.

 

A revolução não é a revolução.

 

A evolução é a revolução.

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